sexta-feira, 17 de abril de 2009

Reminiscências do Passado

Eu não guardo muitas memórias dos tempos em que vivi em Macau.

A verdade é que quando fui para lá era mesmo muito pequenina (2 anos e meio), e de facto nem lembro de ir para lá. As minhas memórias começam todas em Macau. Tudo o que ficou para trás, ficou num espacinho bem escondido do meu cérebro, ao qual não tenho acesso.

Assim, apenas me lembro das coisas mais básicas. Lembro-me bem da nossa casa, mas só da segunda onde acabamos por viver mais tempo (e que era realmente muito boa), de algumas coisas da minha escola pré-primária (mais precisamente da sala do meu irmão que era para onde fugia quase todos os dias), de uma piscina onde costumavamos ir, junto a uma praia, das idas ao casino de Lisboa com algumas moedas que a nossa mãe nos dava para brincadeiras, as idas a Hong Kong no jetfoil, ao restaurante dos patinhos na parede. De resto, confesso que não me lembro de grande coisa. Não me lembro das ruas, de grande parte das pessoas, não me lembro das visitas dos familiares (lembro-me sim de chegar a Lisboa e não conhecer ninguém da minha família, o que foi um bocadinho estranho), não me lembro de não dar conta que o nosso pai não estava connosco (embora tenha a certeza que sentia a falta dele), não me lembro de monumentos ou qualquer outro tipo de edificio, não consigo distinguir alturas para acontecimentos diferentes, enfim, as memórias são muito poucas, compactas e altamente especificas.

Porém, há duas coisas de que me lembro mesmo muito bem.

A primeira é do ice-tea que lá havia. Eu bebia litros daquilo e tinha um sabor verdadeiramente inesquecível, e não houve nunca nenhum dos que bebo agora que igualasse aquele sabor. Foi em Nova Iorque, que num passeio por Chinatown, entrei numa pequena mercearia de bairro e reencontrei o tão famoso ice-tea, que reconheci automaticamente pela sua embalagem com um enorme limão. Pode parecer ridículo mas a sensação que tive quando voltei a bebê-lo foi realmente impressionante.

De repente, senti-me novamente pequenina e deliciada com aquela bebida. Naquele momento, aquela bebida, trouxe um bocadinho do passado até mim. E naquela altura soube mesmo muito bem.

A segunda coisa de que me lembro também muito bem é do leite fermentado Yakult, uma bebida muito fresca e muito doce, que nós também consumíamos aos litros.

Eu adorava a bebida e a embalagem, que era muito pequenina e atractiva. É um produto que nunca chegou a Portugal (pelo menos que eu me lembre), e que também vim a reencontrar, desta vez em Bruxelas, aquando do meu Erasmus. Tembém nesse caso, foi um pequeno regresso ao passado, que também me trouxe boas memórias.

Não sei se por serem mais sensoriais, estes dois produtos marcaram muito a minha memória, e apesar de parecer um pouco estranho ter comida como lembrança, para mim isso conta muito, porque a verdade é que muitas vezes gostava de poder sentir mais essa fase da minha vida em Macau. Vejo os meus irmãos falarem de tanta coisa que se lembram, que vão desde quem era o nosso porteiro, conseguirem identificar o prédio onde era a casa, lembrarem-se do cheiro de determinada rua, distinguirem diferentes lugares,enfim, verifico que eles ficaram muito mais marcados pela experiência de terem vivido em Macau do que eu. O resultado disto é que quando me perguntam se gostei de lá viver, nunca sei muito bem o que responder e a tendência é dizer que me foi indiferente, correndo sempre o risco de ser ingrata com aqueles que tomaram a decisão de me levar.

É por isso que, mesmo que sejam apenas bebidas, estas duas coisas são talvez aquilo que mais me liga a esses tempos, e que automaticamente me transportam no tempo até essa altura, e me fazem pensar que eu era feliz enquanto lá estive, e que tinha muitas coisas boas, mesmo que para mim isso se reduzisse apenas a beber o meu ice-tea acompanhado do meu yakult. Para mim, só isso, já valia a pena.



1 comentário:

  1. as memórias de pessoas, monumntos, ruas ou prédios são racionais, fotográficas, confundem-se muitas vezes com outros apoios de memória, como as fotos ou os relatos dos outros. lembrar o choque do calor húmido, os cheiros da comida de rua, os sons da vida lá fora ou os sabores que entretanto se perderam e reencontraram são memória pura, sensorial, muito mais pessoal. como dois anos podem parecer sem fim. beijos da mana

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